28 de fevereiro de 2011

Otimismo sempre!

Crónica
Por: Sara Carvalho

Aprendi a fazer requeijões, aquele soro a coalhar no cimo da panela com aquele aroma característico de um bebé que acabou de bolsar, fez-me pensar que não é só quando o bebé bolsa que cheira mal... Há muita coisa que deita cheiro!
Hoje fiz oitenta quilómetros. Há um mês atrás custavam-me pouco mais de 10 euros, agora esses mesmos 10 euros não chegam. Se tentar fazê-los com 10 euros, o mais certo será ficar pelo caminho.
É uma látisma o caos em que se tornou o nosso país. Um pessimista dirá que daqui a alguns anos não haverá lucro para as concessionárias nem para as petrolíferas. Um otimista (dos bons) tentará ver pelo lado positivo e chegará à conclusão de que a obesidade em portugal poderá ter os dias contados, uma vez que mais gente irá optar pela bicicleta, esse exercício físico fará com que portugal se torne num país menos sendentário e até, quem sabe, suba uns bons degraus em muitas sondagens da União Europeia.
Mas não é bem da prática desse exercício que devemos louvar-nos. Portugal está a ficar um “expert” na ginástica dita de carteira, aquela que teima em ficar vazia cada vez mais depressa, depois encher uns sacos cada vez mais pequenos...
Enquanto almoçava ouvi na televisão que o Sr Ministro das Finanças defende que devem ser aplicadas mais medidas de austeridade. Mais? Mas diga-me lá Sr Ministro, essas medidas de austeridade são dirigidas a quem? A si não deve ser com toda a certeza, de outro modo ( e sempre tendo em conta o ponto de vista do otimista), já estaria em pele e osso.
Nós que ainda comemos carne e peixe, nós que ainda sabemos o que é um copo de leite quente pela manhã, nós que conhecemos o aconchego de uma boa cama e a frescura de um bom banho de imersão, não temos consciência que há cada vez mais gente como nós que de um dia para o outro deixa de o ser.
O aumento dos preços, medidas de austeridade atrás de medidas de austeridade, sempre em busca de um défice inalcansável... portugal está à beira do naufrágio!
Resta saber se todos estamos preparados para a grande prova de natação que se adivinha. Como diz um grande senhor “enquanto houver estrada para andar, a gente vai continuar, a gente vai continuar”. Vamos ver é por quanto tempo.


17 de fevereiro de 2011

“Não defendo um jornalismo de «buraco de fechadura» ”

Rita Marrafa de Carvalho - Jornalista RTP




Jornalista há mais de 15 anos e dona de um vasto currículo, Rita abriu o livro do seu percurso fascinante e invejável para muitos aspirantes ao mundo da comunicação
Por: Sara Carvalho



Jornalista, repórter, escritora, mãe, mulher... 
Rita é licenciada pela Universidade Nova de Lisboa em Ciências da Comunicação e neste momento está a meio do seu mestrado em Cultura Contemporânea e NovasTecnologias.
Rita é casada com José Carlos Ramalho, um experiente repórter de imagem, com quem tem uma filha. 
Ao longo da sua carreira vivenciou muitas experiências enriquecedoras e também "marcantes", como ela própria as caracteriza.

O jornalismo na sua vida

Como nasceu o sonho de ser jornalista?
Nunca foi um sonho nesse sentido restrito do termo... era uma meta de ofício, de prática. Sempre tive um interesse enorme por História e no 9º ano estava convencidíssima que iria seguir a variante Arqueologia. No entanto, com os testes psicotécnicos que existiam na altura, a psicóloga da escola teve uma longa conversa comigo... “Se fores para História vais morrer de tédio... necessitas de uma profissão na área comunicacional... Direito, Jornalismo ou Relações Públicas”... Confesso que fiquei estupefacta. Resolvi, com 14 anos, entrar no clube de Jornalismo da escola e para um circuito interno que tínhamos no liceu chamado RTE, Rádio Televisão Escolar. E descobri, assim, que aquilo tinha imensa graça e que preenchia as minhas necessidades criativas, sem qualquer dúvida. Escrever, ouvir, observar, conversar. Todos verbos que, ainda hoje, reinam no meu vocabulário. A partir daí, fiz rádio local com 17 anos, experimentei a imprensa escrita e acabei por entrar na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Nova de Lisboa, para fazer Ciências da Comunicação. Foi um percurso muito linear e coerente.

Há algum momento que tenha marcado a sua carreira?
Ao final de 15 anos, já tive muitos momentos marcantes e outros realmente embaraçosos... A ida para Banda Aceh, na Indonésia, para fazer a cobertura do tsunami no sudeste asiática, foi talvez a experiência mais enriquecedora e marcante. Nenhum de nós estava preparado para o que encontrámos. Naquele território, morreram mais de 150 mil pessoas... foi uma brutalidade. Mais de 80% de pessoal médico morreu. As crianças, na rua, não nos pediam comida ou dinheiro. Pediam máscaras por causa do mau-cheiro. Não havia nada. Foram 15 dias absolutamente inesquecíveis. 

E algum momento mais embaraçoso?
Já tive alguns. Recordo-me do primeiro dia em que saí em reportagem com um sénior, na RTP. Tinha acabado de sair da faculdade, com 22 anos, e cheia de formatações e regras e métodos... A Maria João Barros, duríssima comigo, mandou-me carregar o tripé e tratava-me por estagiária. Fomos fazer a reportagem sobre a inauguração do Chiado, após as obras de recuperação. A João passa-me o microfone e diz-me “Faz tu a entrevista!”. Eu tremia como varas verdes. Estava fartinha de saber quem era o arquitecto em causa, mas seguindo a regra do “identificação do entrevistado deve ficar gravada”, saiu-me um “diga-me o seu primeiro e último nome e função” da praxe. O senhor, condescendente, lá me respondeu “O primeiro é Álvaro... o último Vieira... e sou arquitecto”. Ainda hoje, eu e a João nos rimos disto. Não sei se o Siza Vieira guardará esta memória com o mesmo humor.
"Ser jornalista é algo que se vai edificando, moldando ao longo dos inputs recebidos e das experiências reunidas."
Sente que o seu trabalho é reconhecido?
Sinto, sim. Quer pela entidade patronal, claro está, como pelo público. Sinto-me afortunada pela possibilidade de acompanhar determinados eventos nacionais e internacionais, mas foi algo pelo qual trabalhei muito. Ninguém começa na área por acompanhar o processo Freeport ou a viajar para a África do Sul, para a cobertura social do Mundial de futebol. É um trabalho de anos. De crescimento, aprendizagem e que passa pela construção de credibilidade e seriedade.  

Ser repórter obrigou-a a abdicar de alguma coisa importante na sua vida?
Abdico, tristemente, de tempo com a minha filha. Estar ausente um mês, para a cobertura do Mundial na África do Sul, foi complicado. Já tinha estado duas semanas, várias vezes uma semana distante, como foi o caso do temporal da Madeira, mas nunca um mês. É algo que quero evitar ao máximo. Faz sentido numa determinada fase da nossa vida, mas quando eles ainda sentem muito a nossa ausência, é complicado. 

Samatra, Indonésia (2005) - Tsunami no sudoeste asiático

É difícil estar longe da família?
Ser casada com um jornalista alivia muitíssimo. Entende lindamente o que me "chama" para ir. É, inclusivamente, um jornalista mais experiente. O Zé Carlos, como repórter-de-imagem, já esteve em quase tudo o que foi conflito. Recordo-me da segunda vez que ele passou um mês no Iraque e foi duro. Quando eu estava na Indonésia, ele estava no Sri Lanka. Depois do nascimento da nossa filha, há 5 anos, evitamos sair para muito longe ou por períodos muito alargados de tempo.

A Rita escritora

Como descreveria a sua passagem pelo mundo da escrita?
É, talvez, onde me sinta melhor. E seria inevitável para mim. O jornalismo não deixa um espaço suficientemente grande para a criatividade, por razões mais do que óbvias. Mas oferece uma vivência de tal modo intensa, que me leva a ter essa necessidade. A ficção permite-me concretizar o que mais gosto de fazer: contar histórias. Com excepção do Esmeralda ou Ana Filipa, dois nomes, dois pais, que envolvia um levantamento arqueológico de todos os artigos escritos sobre o tema, entrevistas a todos os envolvidos e especialistas na área, todos os outros foram ficção. E assim me vou manter. Este ano, vai ser publicado um livro de contos escritos, uma vez mais, por mim e pelo Eduardo Águaboa. Chamar-se-á Folie à Deux e foi um desafio interessantíssimo que o Eduardo me fez. Perante 15 contos seus, coube-me escrever o outro lado da mesma história, outra versão dos mesmos factos. E vice-versa. Apresentei-lhe 15 contos e coube-lhe a mesma tarefa: o outro lado. O resultado é muito curioso.
"Escrever, ouvir, observar, conversar. Todos verbos que, ainda hoje, reinam no meu vocabulário"
Jornalismo e atualidade

Na sua opinião poder tornar públicos casos polémicos como Casa Pia, Joana, entre outros, fazem com que a profissão do jornalista tenha mais sentido?
A ideia do jornalismo não é o de se substituir à justiça ou órgãos de investigação. Não defendo um jornalismo de “buraco de fechadura”. Trazer a lume casos gritantes ou há muito encobertos, é um benéfico dano colateral mas não é o seu propósito central. Eu prefiro o da reposição da ordem. O do real esclarecimento dos factos. Com seriedade.
O que dá sentido ao jornalismo é o seu conceito fulcral: levar ao público a informação. Revelar-lhe outras realidades, outra visão dos factos.  

É importante fazer aquilo que se gosta. Se pudesse voltar atrás tinha escolhido uma carreira diferente?
Não, não tinha. Mas com o decorrer dos anos, e algum desencanto, vamos tendo vontade, se não necessidade, de fazer e experimentar outras coisas. Obviamente que não posso generalizar, mas sinto essa necessidade. Escrever. Escrever mais. Para outras plataformas culturais. Voltar a estudar, daí ter o mestrado a meio, com o processo curricular terminado mas pouco tempo para a tese.
A remuneração jornalística é outro problema grave. Poucos enriquecem... muitos sobrevivem. E o “império da imagem”, no que diz respeito ao jornalismo televisivo, é uma coisa desoladora. Um sistema que consome e, para o qual, é necessário estar muito bem preparado.   

É difícil ser jornalista na atualidade?
Em termos de conceito, já foi mais. Trabalhar em plena ditadura ou regimes pouco democráticos, deve ter sido uma coisa complicadíssima mas, simultaneamente, um desafio incrível. Hoje, as dificuldades prendem-se com o mercado de trabalho. Subitamente, tivemos um boom de faculdades, institutos, universidades privadas a oferecer cursos de jornalismo, comunicação social, ciências da comunicação... Ora, para muitos, o fascínio da mediatização levou-os a ingressar nestes cursos. O resultado é uma enchente de jovens licenciados sem um mercado suficiente para os empregar. Além disso, a própria precariedade atinge jornalistas séniores há muitos anos. Contratos temporários, recibos verdes... Não temos órgãos de Comunicação Social suficientes e, a muitos, resta-lhes profissões paralelas, como assessores de imprensa, relações públicas, accounts em agências de comunicação. É um cenário desolador para quem sai das universidades e se depara, subitamente, com este fim de linha nada idílico.

Que conselhos daria a todos os jovens que estão agora a entrar no mundo do jornalismo?
Conselhos serão sempre poucos e ingratos. Eu tentei absorver tudo o que os mais velhos, mesmo quando pouco acessíveis, se dispunham a partilhar. Humildade e coerência. Saber ouvir e ter noção que é na redacção, na rotina diária, que o tronco jornalístico se constrói, que as estratégias se estabelecem. Ser jornalista é algo que se vai edificando, moldando ao longo dos inputs recebidos e das experiências reunidas.