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Rita Marrafa de Carvalho - Jornalista RTP |
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Jornalista há mais de 15 anos e dona de um vasto currículo, Rita abriu o livro do seu percurso fascinante e invejável
para muitos aspirantes ao mundo da comunicação
Por:
Sara Carvalho
Jornalista, repórter, escritora, mãe, mulher...
Rita é licenciada pela Universidade Nova de Lisboa em
Ciências da Comunicação e neste momento está a meio do seu mestrado em Cultura
Contemporânea e NovasTecnologias.
Rita é casada com José Carlos Ramalho, um experiente
repórter de imagem, com quem tem uma filha.
Ao longo da sua carreira vivenciou muitas experiências
enriquecedoras e também "marcantes", como ela própria as caracteriza.
O
jornalismo na sua vida
Como nasceu o
sonho de ser jornalista?
Nunca foi um
sonho nesse sentido restrito do termo... era uma meta de ofício, de prática.
Sempre tive um interesse enorme por História e no 9º ano estava convencidíssima
que iria seguir a variante Arqueologia. No entanto, com os testes psicotécnicos
que existiam na altura, a psicóloga da escola teve uma longa conversa comigo...
“Se fores para História vais morrer de tédio... necessitas de uma profissão na
área comunicacional... Direito, Jornalismo ou Relações Públicas”... Confesso
que fiquei estupefacta. Resolvi, com 14 anos, entrar no clube de Jornalismo da
escola e para um circuito interno que tínhamos no liceu chamado RTE, Rádio
Televisão Escolar. E descobri, assim, que aquilo tinha imensa graça e que
preenchia as minhas necessidades criativas, sem qualquer dúvida. Escrever, ouvir, observar, conversar. Todos
verbos que, ainda hoje, reinam no meu vocabulário. A partir daí, fiz rádio
local com 17 anos, experimentei a imprensa escrita e acabei por entrar na
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Nova de Lisboa, para fazer Ciências
da Comunicação. Foi um percurso muito linear e coerente.
Há algum momento
que tenha marcado a sua carreira?
Ao final de 15
anos, já tive muitos momentos marcantes e outros realmente embaraçosos... A ida
para Banda Aceh, na Indonésia, para fazer a cobertura do tsunami no sudeste
asiática, foi talvez a experiência mais enriquecedora e marcante. Nenhum de nós
estava preparado para o que encontrámos. Naquele território, morreram mais de
150 mil pessoas... foi uma brutalidade. Mais de 80% de pessoal médico morreu. As crianças, na rua, não nos pediam comida
ou dinheiro. Pediam máscaras por causa do mau-cheiro. Não havia nada. Foram
15 dias absolutamente inesquecíveis.
E
algum momento mais embaraçoso?
Já tive alguns. Recordo-me do primeiro dia em que saí em reportagem com um sénior, na RTP.
Tinha acabado de sair da faculdade, com 22 anos, e cheia de formatações e
regras e métodos... A Maria João Barros, duríssima comigo, mandou-me carregar o
tripé e tratava-me por estagiária. Fomos fazer a reportagem sobre a inauguração
do Chiado, após as obras de recuperação. A João passa-me o microfone e diz-me
“Faz tu a entrevista!”. Eu tremia como varas verdes. Estava fartinha de saber
quem era o arquitecto em causa, mas seguindo a regra do “identificação do
entrevistado deve ficar gravada”, saiu-me um “diga-me o seu primeiro e último
nome e função” da praxe. O senhor, condescendente, lá me respondeu “O primeiro
é Álvaro... o último Vieira... e sou arquitecto”. Ainda hoje, eu e a João nos
rimos disto. Não sei se o Siza Vieira guardará esta memória com o mesmo humor.
"Ser jornalista é algo
que se vai edificando, moldando ao longo dos inputs recebidos e das
experiências reunidas."
Sente
que o seu trabalho é reconhecido?
Sinto, sim. Quer pela entidade patronal,
claro está, como pelo público. Sinto-me afortunada pela possibilidade de
acompanhar determinados eventos nacionais e internacionais, mas foi algo pelo
qual trabalhei muito. Ninguém começa na área por acompanhar o processo Freeport
ou a viajar para a África do Sul, para a cobertura social do Mundial de
futebol. É um trabalho de anos. De crescimento, aprendizagem e que passa pela
construção de credibilidade e seriedade.
Ser repórter
obrigou-a a abdicar de alguma coisa importante na sua vida?
Abdico,
tristemente, de tempo com a minha filha. Estar ausente um mês, para a cobertura
do Mundial na África do Sul, foi complicado. Já tinha estado duas semanas,
várias vezes uma semana distante, como foi o caso do temporal da Madeira, mas
nunca um mês. É algo que quero evitar ao máximo. Faz sentido numa determinada
fase da nossa vida, mas quando eles ainda sentem muito a nossa ausência, é
complicado.
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Samatra, Indonésia (2005) - Tsunami no sudoeste asiático |
É
difícil estar longe da família?
Ser casada com um jornalista alivia muitíssimo. Entende lindamente o que me "chama" para ir. É, inclusivamente, um jornalista mais experiente. O Zé Carlos, como repórter-de-imagem, já esteve em quase tudo o que foi conflito. Recordo-me da segunda vez que ele passou um mês no Iraque e foi duro. Quando eu estava na Indonésia, ele estava no Sri Lanka. Depois do nascimento da nossa filha, há 5 anos, evitamos sair para muito longe ou por períodos muito alargados de tempo.
A Rita escritora
Como
descreveria a sua passagem pelo mundo da escrita?
É, talvez, onde
me sinta melhor. E seria inevitável para mim. O jornalismo não deixa um espaço
suficientemente grande para a criatividade, por razões mais do que óbvias. Mas
oferece uma vivência de tal modo intensa, que me leva a ter essa necessidade. A ficção permite-me concretizar o que
mais gosto de fazer: contar histórias. Com excepção do Esmeralda ou Ana
Filipa, dois nomes, dois pais, que envolvia um levantamento arqueológico de
todos os artigos escritos sobre o tema, entrevistas a todos os envolvidos e
especialistas na área, todos os outros foram ficção. E assim me vou manter.
Este ano, vai ser publicado um livro de contos escritos, uma vez mais, por mim
e pelo Eduardo Águaboa. Chamar-se-á Folie à Deux e foi um desafio
interessantíssimo que o Eduardo me fez. Perante 15 contos seus, coube-me
escrever o outro lado da mesma história, outra versão dos mesmos factos. E
vice-versa. Apresentei-lhe 15 contos e coube-lhe a mesma tarefa: o outro lado.
O resultado é muito curioso.
"Escrever, ouvir, observar, conversar. Todos verbos
que, ainda hoje, reinam no meu vocabulário"
Jornalismo e atualidade
Na
sua opinião poder tornar públicos casos polémicos como Casa Pia, Joana, entre
outros, fazem com que a profissão do jornalista tenha mais sentido?
A ideia do
jornalismo não é o de se substituir à justiça ou órgãos de investigação. Não defendo um jornalismo de “buraco de
fechadura”. Trazer a lume casos gritantes ou há muito encobertos, é um
benéfico dano colateral mas não é o seu propósito central. Eu prefiro o da
reposição da ordem. O do real esclarecimento dos factos. Com seriedade.
O que dá sentido
ao jornalismo é o seu conceito fulcral: levar ao público a informação.
Revelar-lhe outras realidades, outra visão dos factos.
É
importante fazer aquilo que se gosta. Se pudesse voltar atrás tinha escolhido
uma carreira diferente?
Não, não tinha.
Mas com o decorrer dos anos, e algum desencanto, vamos tendo vontade, se não
necessidade, de fazer e experimentar outras coisas. Obviamente que não posso
generalizar, mas sinto essa necessidade. Escrever. Escrever mais. Para outras
plataformas culturais. Voltar a estudar, daí ter o mestrado a meio, com o
processo curricular terminado mas pouco tempo para a tese.
A remuneração jornalística é outro problema
grave. Poucos enriquecem... muitos sobrevivem. E o “império da imagem”, no que diz respeito ao jornalismo
televisivo, é uma coisa desoladora. Um sistema que consome e, para o qual, é
necessário estar muito bem preparado.
É difícil ser
jornalista na atualidade?
Em termos de conceito, já foi mais. Trabalhar
em plena ditadura ou regimes pouco democráticos, deve ter sido uma coisa
complicadíssima mas, simultaneamente, um desafio incrível. Hoje, as
dificuldades prendem-se com o mercado de trabalho. Subitamente, tivemos um boom
de faculdades, institutos, universidades privadas a oferecer cursos de
jornalismo, comunicação social, ciências da comunicação... Ora, para muitos, o
fascínio da mediatização levou-os a ingressar nestes cursos. O resultado é uma
enchente de jovens licenciados sem um mercado suficiente para os empregar. Além
disso, a própria precariedade atinge jornalistas séniores há muitos anos.
Contratos temporários, recibos verdes... Não temos órgãos de Comunicação Social
suficientes e, a muitos, resta-lhes profissões paralelas, como assessores de
imprensa, relações públicas, accounts em agências de comunicação. É um cenário
desolador para quem sai das universidades e se depara, subitamente, com este
fim de linha nada idílico.
Que
conselhos daria a todos os jovens que estão agora a entrar no mundo do
jornalismo?
Conselhos serão
sempre poucos e ingratos. Eu tentei absorver tudo o que os mais velhos, mesmo
quando pouco acessíveis, se dispunham a partilhar. Humildade e coerência. Saber
ouvir e ter noção que é na redacção, na rotina diária, que o tronco
jornalístico se constrói, que as estratégias se estabelecem. Ser jornalista é algo que se vai
edificando, moldando ao longo dos inputs recebidos e das experiências reunidas.